19 de fevereiro de 2009

Carnavália

Era uma terça-feira de carnaval, ou terça-feira gorda para aqueles que já pularam os tais oitenta carnavais. Em algum lugar da Avenida Sete, e debaixo de um sol escaldante, estavam Guilherme e Fernanda.



Mas não estavam juntos. Eles estavam em lados opostos da rua quando trocaram aquele tipo de olhar que só é possível se trocar no carnaval (vai ver seja essa a razão de sempre ser deflagrado um surto de conjuntivite após a quarta-feira de cinzas). Trocaram gestos, mímicas e palavras mudas, mas não podiam pôr em prática nenhuma dessas promessas, pois entre eles passava o Camaleão.



A vontade cresceu de uma maneira, que Guilherme tentou atravessar o bloco de qualquer jeito. Desistiu na segunda investida quando foi arremessado no chão por um cordeiro com cabelo descolorido e faixa do Bahia Campeão Brasileiro de 88 na cabeça.



A queda não foi tão dolorosa quanto à pisada que ele levou na mão do tênis Mike usado por uma mulher com braços de baiana de acarajé. Guilherme levantou e, para o seu alivio, viu que Fernanda ainda estava do outro lado da rua. O bloco parecia não ter fim e ele quase desistiu de tudo quando um homem-bomba, no sentido esteróidico da palavra, saiu do bloco e partiu para beijar a indefesa Fernanda. Porém, antes de consumar o ato, o fortão foi levado pelo arrastão que tradicionalmente acompanha o Chiclete com Banana. Não só levado, como atropelado, apalpado e pisoteado. O pobre comedor de ferro apanhou mais do que timbau em dia de festa e ficou lá, estirado embaixo do relógio de São Pedro com o seu abadá dilacerado.



Finalmente o Camaleão terminou de passar e tanto Guilherme, quanto Fernanda, aproveitaram o vácuo que geralmente se forma entre os blocos para finalmente carnavalizar a relação deles. Infelizmente, Guilherme não viu o menino do queijo coalho atravessar na frente dele, levando um enorme tropeção. Cair de cara no asfalto não doeu tanto, quanto as brasas que se espalharam pela perna dele.



A dor passou quando aquela mão angelical se estendeu para ele. Guilherme se refez, limpou o rosto e sorriu, mesmo sofrendo com o latejar dos arranhões recém-adquiridos. Eles se aproximaram naquele espaço entre-suvacos e fecharam os olhos. Guilherme os abriu assim que sentiu um cutucão no rim. Era a Policia Militar abrindo caminho para levar dois brigões de ocasião.



Quando Guilherme recuperou o ar, ouviu alguém gritar: “Corujas!”. Achou que era delírio pelo pouco oxigênio do cérebro e só se deu conta dos apuros quando viu os cordeiros do trio de Ivete avançarem para cima dele. Ele foi literalmente atropelado pela comissão de frente do bloco e suas últimas lembranças foram uma pancada na cabeça e os acordes da música “Chupa Toda”, que ficavam cada vez mais distantes. Antes de tudo escurecer ele achou ter visto Fernanda beijando um diretor do bloco, mas acreditou ser apenas uma alucinação. Desmaiou.



Acordou no posto médico, onde uma enfermeira gorda e levemente desdentada falava para ninguém sobre os exageros que esses meninos de hoje em dia cometiam quando colocam as mãos em um lança-perfume. Guilherme olhou no relógio e viu que a meia-noite se aproximava e, com ela, o fim do carnaval (o que é motivo de controvérsias). Vendo que àquela altura Fernanda era um sonho impossível, Guilherme não teve dúvidas: se levantou e, ainda grogue, tascou um beijo momesco na tal enfermeira.



E sejamos francos: valeu a pena. Afinal, era carnaval.

Um comentário:

Unknown disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, tive pena de Guilherme. Tao ingenuo, achar que vai se apaixonar no carnaval. Fernanda so queria beijar mais um.