2 de novembro de 2010

Há coisas piores do que a morte e a guerra ou Minha avó, meu tesouro.

Nós passamos boa parte da vida pensando "pior é na guerra" ou "só para a morte não há saída", como se essas fossem as piores coisas a que estamos sujeitos. De repente, algo na vida ou da vida nos mostra que não é bem assim.

Pensamos também que a morte de alguém querido é das piores coisas que precisaremos superar, mas eis que a vida também pode nos mostrar que a forma como esse alguém morre (ou não) também pode agravar a dor. Perder alguém para a morte é péssimo; perder alguém ainda vivo, é pior.

Alguns de vocês sabem exatamente sobre o que estou falando e eu lamento que saibam, assim como lamento que eu eminha família tenhamos descoberto.
No dia em que o mais sensível, esperançoso e empenhado dos médicos da minha avó disse que não havia mais nada a ser feito a não ser esperar que o corpo dela descansasse e o óbito viesse foi um dos piores dias da minha vida. Um dia do qual ainda não me recuperei e que para sempre vou lamentar. Isso foi dito numa reunião com minha família materna e cada um recebeu de uma forma personalíssima a notícia. Eu fui a única neta presente. Eu me sinto a 5a. filha, não posso negar.

Cientificamente, não sei se o que minha avó passa é o que chamam de vida vegetativa ou morte cerebral, mas acho que é um pouco pior, pois minha ela respira, seu corpo funciona, mas ela não está ali, não abre os olhos, não demonstra estar viva, senão pela aferição de aparelhos que jamais permitirão que eu a sinta de novo presente. O consolo é saber que ela não sente dor, o medo maiorfoi quando o médico disse que ela poderia sentir.
Eu lhes digo: esse contexto é pior do que saber que ela não estará mais aqui; é pior do que a morte. Qualquer conclusão sobre a situação é dura demais e neste momento me sinto incapaz de redigir frases tão duras e pragmáticas.

Desde que ela entrou em coma, eu sabia que ela poderia não acordar, tanto por estar há mais de 03 anos envolvida com assuntos médicos, quanto por conhecimento geral e perguntas que fiz aos médicos dela. Eu tinha tanto medo de que acontecesse o que acontece agora (ou talvez intuisse) que cheguei a perguntar com todas as letras ao neurocirurgião e ele foi duro ao responder, mas também esclareceu.

Quando a vejo, meu coração dói...dói tanto que às vezes acho que não vou suportar a angústia.

Até aquele dia, eu achava que estava conformada, mas a notícia trouxe pra fora todo medo, dor e uma certa revolta pela perda. Dói por mim, por minha mãe, por meus tios; dói por adivinhar a ausência, por perder sonhos, mas principalmente dói não sentir mais minha avó me dando colo, me fazendo cafuné, me olhando como só ela me olhava - um olhar que SEMPRE me fazia mais especial do que penso ser. Ela sempre foi parte especial, importante e doce da minha vida; o colo que eu SEMPRE tive a minha disposição, o cafuné mais gostoso, o momento de deixar d elado a vida adulta e voltar a ser só a neta dela; alguém que sempre me olhou com certa veneração e para quem eu quis ser sempre o meu melhor... minha avó era parte da mjinhas conquistas, orgulho dos meus acerto e alento nos erros ou fracassos...era também força para superar; mais do que rezar, ela me incentivava, acolhia...e como eu já disse: ela era a única que me fazia especial com todos os meus erros, acertos, qualidades e defeitos, cada vez que olhava pra mim e me chamava de minha filha


Eu tenho 32 anos e muitos podem imaginar que a avó não tem mais um espaço importante...comigo isso não se aplica, nunca se aplicou, jamais se aplicaria ou aplicará. Minha avó construiu comigo uma relação única, que talvez venha mesmo de outras vidas, de outras razões muito mais fortes que o sangue.

Se "as avós são as esmeraldas de toda criança", eu tive/tenho uma mina de pedras precisosas, das mais especiais e raras reunidas numa só avó. Ela foi e é, ao lado de meu avô e meus pais, o meu maior tesouro, meu bilhete da megasena acumulada.
Nunca, jamais, eu deixarei de ser grata por minha avózinha ter feito parte da minha vida, da minha essência e por termos nos amado tanto e sempre e estado sempre muito próximas. Lembranças dos nossos momentos serão sempre afagos na minha alma.

Eu quis muito ter um filho que ela pudesse embalar e contar histórias que eu ouvi na infância...não deu tempo...me atrasei.

Minha avó foi a tradução completa do que a palavra avó traz em si e eu nunca terei feito por ela tudo que ela fez por mim, mas nos amamos muito e nunca nos perderemos por completo. Nesse momento só posso rezar pelo bem dela, superar minha covardia para visitá-la, apoiar meus familiares e seguir na busca de viver "apesar de" e superar aos poucos a dor.

Um comentário:

Zé Trindade disse...

Muito bonito o que você escreveu sobre o papel de sua avó em sua vida. É difícil achar algo pra dizer num momento tão complexo, mas vejo em você muita força e serenidade.
Quero que saiba que, do lado de cá, tem alguém torcendo por você. Força, sempre.